A suprema exposição

A sanção imposta pelos Estados Unidos ao ministro Alexandre de Moraes, com base na Lei Magnitsky, não atinge apenas um indivíduo. Ela projeta seu alcance sobre a própria imagem institucional do Supremo Tribunal Federal e, por extensão, sobre a reputação democrática do Brasil. Pela primeira vez, um magistrado da mais alta corte nacional é incluído em um rol historicamente reservado a ditadores, torturadores e violadores sistemáticos dos direitos humanos. Trata-se, portanto, de uma ação que, na prática e na percepção internacional, coloca todo o Supremo Tribunal Federal no banco dos réus.
Ao incluir Moraes na lista de sanções, os EUA não apenas julgam uma conduta — eles reposicionam o Brasil no tabuleiro das percepções globais, atribuindo-lhe traços de um país de instituições frágeis, politizadas e pouco confiáveis. Essa mudança de enquadramento simbólico é gravíssima. Aos olhos da diplomacia ocidental — especialmente no establishment de Washington —, o Brasil aproxima-se, perigosamente, da categoria das “republiquetas”, termo pejorativo que traduz bem o rebaixamento retórico implícito.
E talvez o mais vergonhoso de todo este episódio seja este: foi necessário que um terceiro país tomasse a iniciativa de aplicar sanções — com base em seu próprio sistema legal — por absoluta omissão, inércia e incompetência dos mecanismos internos brasileiros de contenção institucional. A ausência de qualquer reação concreta por parte do Congresso Nacional, do Executivo ou mesmo de instâncias autônomas de controle revela o grau de erosão dos freios e contrapesos que deveriam equilibrar o sistema democrático. Quando os poderes constitucionais se rendem ao silêncio, o Estado de Direito torna-se uma peça de vitrine: decorativa, mas oca.
Diante dessa erosão de credibilidade, o governo brasileiro deveria avaliar com frieza e visão de longo prazo medidas que recomponham a imagem internacional do Supremo Tribunal Federal como corte isenta, equilibrada e republicana. Isso pode envolver uma reconfiguração simbólica do quadro institucional — inclusive, considerando um convite elegante à aposentadoria precoce de Alexandre de Moraes, ou mesmo sua nomeação para um posto diplomático, de modo a afastar sua presença da cena institucional brasileira e preservar a liturgia da Justiça.
Mais do que isso: o ideal seria que parte significativa da atual composição da Corte fosse substituída, dada a extensão do dano reputacional imposto ao país. A Suprema Corte, enquanto guardiã última da Constituição, não pode permanecer associada a práticas que, do ponto de vista externo, são interpretadas como autoritárias, persecutórias ou politicamente enviesadas. A percepção de que o Brasil é incapaz de conter internamente abusos judiciais compromete não apenas sua imagem, mas sua funcionalidade como Estado democrático.
Do ponto de vista jurídico, pode-se repetir exaustivamente que “focinho de porco não é tomada”. Mas, no teatro internacional, a aparência importa tanto quanto a substância — e, muitas vezes, mais. O Brasil precisa, portanto, resgatar sua autoridade narrativa e interromper o processo de corrosão reputacional que, se não contido, comprometerá sua capacidade de negociação e sua influência moral em fóruns multilaterais.
Além disso, a percepção de que o país perdeu a capacidade interna de conter abusos institucionais mina um dos pilares fundamentais da confiança internacional: a previsibilidade do Estado de Direito. Em um mundo competitivo e sensível a riscos políticos, investidores estratégicos — fundos soberanos, conglomerados empresariais e agências multilaterais — reagem não apenas ao desempenho econômico, mas à robustez institucional.
A sanção a Moraes, ao sinalizar que o sistema brasileiro falhou em responsabilizar internamente seus próprios excessos, dilui a confiança do investidor internacional, que passa a ver o Brasil não como um destino confiável de capital de longo prazo, mas como uma jurisdição instável, onde as regras mudam conforme o clima político ou a vontade de um ministro.
Permitir que um ministro da Suprema Corte — sem qualquer resposta institucional efetiva — figure ao lado de figuras notoriamente autoritárias é aceitar, em silêncio, uma declaração implícita de degenereração institucional. E o silêncio, neste caso, não será lido como prudência, mas como consentimento.
Como bem advertiu Lord Acton, “o poder corrompe; o poder absoluto corrompe absolutamente”. O que está em jogo aqui não é apenas o destino de um magistrado, mas a autoridade moral da Justiça brasileira no concerto das nações democráticas — e, sobretudo, a confiança internacional no Brasil como nação séria, previsível e respeitadora de seus próprios princípios constitucionais.
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