As escorregadelas de Cid à luz dos ensinamentos do livro Oratória para advogados

A revista Veja soltou uma bomba: Ele mentiu. Essa foi a chamada de capa da publicação no último dia 13. Ora, se o réu-colaborador faltou com a verdade, a dedução natural é a de que ele não merece crédito no que diz. Como consequência, os benefícios que receberia por colaborar com a Justiça serão retirados.
Se o tenente-coronel Mauro Cid apresentou alguma prova concreta para corroborar suas acusações, essas provas serão mantidas, mesmo que ele perca os direitos concedidos como colaborador. Se, todavia, suas informações ficaram apenas nas palavras, sem confirmação material, tudo o que disse poderá ser desconsiderado.
Caiu em contradição
Antes de comentar a respeito da estratégia utilizada pelo advogado de Jair Bolsonaro, Celso Vilardi, para induzir Mauro Cid a cair em contradição, vale lembrar um dos conselhos encontrados no livro “Oratória para advogados e profissionais do direito” para essas circunstâncias:
“Deverá refutar primeiro os argumentos mais fortes, deixando os mais frágeis para o final. Assim, terá chance de, ao vencer o mais frágil, que ficou por último, induzir o juiz a pensar que os anteriores também não tinham consistência e, igualmente, devem ser desconsiderados.”
O acordo de delação
Como foi a história do delator? Mauro Cid assinou um acordo de delação premiada. Deveria colaborar com a Polícia Federal com informações que pudessem desvendar um intrincado plano para anular as eleições de 2022, que tinha como objetivo evitar a eleição de Lula e preservar Bolsonaro na presidência. Em troca, receberia vários benefícios para amenizar sua pena.
Na terça-feira, 9, foi interrogado no STF (Supremo Tribunal Federal). Hesitou aqui e ali, gaguejou, sorriu nervosamente… tudo dentro de um quadro compreensível. Afinal, não deve ser fácil enfrentar esse tipo de situação. Um deslize, uma palavra mal colocada poderia jogar por terra o seu acordo.
Pergunta aparentemente despretensiosa
Não imaginava, entretanto, que o advogado do ex-presidente havia preparado uma cilada para ele. No apagar das luzes, Vilardi fez uma pergunta aparentemente despretensiosa, mas, na verdade, era uma armadilha para que Cid escorregasse. E ele escorregou:
“Queria saber se ele fez uso em algum momento para falar de delação de um perfil no Instagram que não está no nome dele.” Cid ficou em um dilema – se dissesse que sim, teria descumprido o acordo que assinara. Se dissesse que não, poderia ser apanhado na mentira. Entre a cruz e a espada, resolveu arriscar e dizer que não. O advogado reforçou a indagação, dirigindo-se a Alexandre de Moraes: “Ele nunca usou perfil de mídia social para falar com ninguém?”
A prova de que mentira
Sentindo que sua posição estava desmoronando, resolveu insistir na resposta, afirmando que não. Nesse momento, Vilardi tirou da manga sua carta matadora: “Conhece um perfil chamado @gabrielar702?” O delator demonstrou no semblante e no gaguejar que havia sido apanhado: “Esse perfil… eu não sei se é da minha mulher.”
A Veja teve acesso às conversas mantidas nesse perfil. Cid revelou em um dos diálogos que recebeu pressões, que o delegado que fazia o inquérito procurava manipular suas respostas e que o ministro já havia decidido condenar alguns dos réus antes mesmo do julgamento.
Se forem procedentes
A defesa do tenente-coronel Mauro Cid recorreu a um ensinamento encontrado no livro já citado, “Oratória para advogados e profissionais do direito”. Diz a obra: “Se a tese contrária se sustentar em documentos, a refutação deverá ser feita com alegações (se forem procedentes) sobre a qualidade do texto, questionando o estilo, que, na sua ótica e experiência, se apresenta diverso do utilizado normalmente pelo suposto autor.”
O advogado seguiu essa orientação. Alegou que os diálogos divulgados não são autênticos, pois contêm erros gramaticais e linguagem inadequada. Enfatizou que as conversas foram montadas e não correspondem ao estilo de comunicação de Cid.
Contra fatos não há argumentos
Essa tentativa para desqualificar os diálogos apresentados foi boa, se não fosse a ressalva dada entre parênteses: “se forem procedentes”. Áudios e selfies enviados por Cid desmontariam os argumentos da defesa. Além de encaminhar mensagens por textos, o réu-colaborador teria enviado mensagens de voz e fotos que comprovariam o uso da rede social, por meio do perfil @gabrielar702. Portanto, as alegações do advogado “não teriam sido procedentes”.
Esse caso pode nos deixar um importante ensinamento: nem sempre uma pergunta é feita com o objetivo de obter resposta para o questionamento em si, mas sim com a finalidade de, a partir da resposta, apresentar argumentos que mostrem a inconsistência do que foi alegado. Mas entra aí também uma velha máxima: contra fatos, não há argumentos. Siga pelo Instagram: @polito
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