Entenda o que é a Nova Rota da Seda e por que o governo brasileiro evita aderir formalmente ao projeto
Governo brasileiro prefere falar em 'sinergia' com investimentos chineses e manter equidistância entre China e Estados Unidos. A Nova Rota da Seda foi lançada pela China em 2013 com o objetivo de expandir sua influência global por meio de investimentos em infraestrutura, comércio e conectividade em dezenas de países.
Por meio da nova rota da seda, Pequim tenta expandir os seus laços comerciais no mundo
GETTY IMAGES
Até 2024, mais de 100 nações já haviam aderido ao projeto, que movimentou mais de um trilhão de dólares em investimentos.
Apesar da relevância econômica da China como principal parceiro comercial do Brasil, o governo brasileiro tem evitado uma adesão formal à iniciativa, chamada oficialmente de “Cinturão e Rota”.
Em entrevista na China durante viagem do presidente Lula ao país nesta semana, o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa (PT), negou que o Brasil “entrará” na iniciativa. O petista afirmou que a ideia do Brasil é encontrar “sinergia” com a estratégia de investimentos do país asiático.
“A denominação do Cinturão e Rota para a China é a mesma denominação do PAC para nós, uma estratégia governamental de desenvolvimento. E é essa sinergia que buscamos: sintonizar a estratégia chinesa com a brasileira”, disse.
“Do mesmo jeito que eles não entram no PAC, nós não vamos entrar na estratégia deles. O que buscamos é o que integra as estratégias do Brasil e da China. Então, a China tem sua definição autônoma e o Brasil a sua definição. O que se fala de sinergia é isso: buscar onde essa estratégia se encontra”, completou.
Presidente do Brasil e da China se encontraram (13/05) em Pequim
A estratégia do Brasil
O uso da palavra “sinergia” permite ao governo brasileiro manter equidistância entre China e Estados Unidos e ao governo de Xi Jinping explorar a imagem de que o Brasil intensificará suas relações com sua estratégia.
Além desta decisão de não aderir formalmente ao movimento chinês, outros dois aspectos são levados em consideração:
Regras claras: o Ministério das Relações Exteriores brasileiro argumenta que não há um tratado internacional formal que regulamente a adesão ao programa, o que dificulta uma decisão institucionalizada;
Negociação de parcerias específicas: o Brasil identificou que negociar acordos bilaterais com a China em áreas específicas é mais vantajoso.
A vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos EUA em 2024 foi usada pelo governo brasileiro como uma ferramenta de barganha nas negociações com a China.
Presidente da China critica mais uma vez tarifaço de Trump em encontro com Lula em Pequim
A ideia é extrair concessões mais vantajosas de ambos os lados, sem se comprometer exclusivamente com nenhum deles.
Neste cenário, manter a posição de ambiguidade ajuda o Brasil a ter negociações mais favoráveis, utilizando-se do fato de que tanto para Estados Unidos e China é importante que o Brasil não esteja totalmente alinhado com o outro lado da disputa.
Atração de investimentos
Na mesma entrevista, o ministro Rui Costa afirmou que o governo vai adiantar para empresas da China informações de projetos de infraestrutura que serão leiloados no Brasil.
O ministro disse que um acordo sobre este assunto foi assinado na viagem de Lula à China. O objetivo é possibilitar que as companhias chinesas consigam participar com maior volume de investimentos do setor.
Rui Costa disse que essa não é uma possibilidade exclusiva para os chineses e que empresários de outros países também poderão solicitar o acesso antecipado.
“Vamos montar um fórum, não só para eles, mas para qualquer país que queira conhecer antecipadamente o que vai ser leiloado em 2025, o que vai ser leiloado em 2026, para que eles possam estudar de forma antecipada, aprovar nos fóruns específicos deles”, disse.
O ministro não comentou se este processo afetaria o equilíbrio da concorrência nos leilões em que os chineses terão acesso antecipado aos detalhes dos projetos.
O presidente Lula visitou a montadora chinesa GWM, em Pequim
Ricardo Stuckert/PR
China anunciou investimento de R$ 27 bi
Durante a viagem da comitiva brasileira à China, os dois países anunciaram a previsão de empresas chinesas investirem R$ 27 bilhões em novos projetos no Brasil.
Entre os setores de investimentos estão o de delivery, com a plataforma Meituan; o de carros elétricos, com a montadora GAC, o de energia limpa, com a estatal CGN; e o de mineração, com o grupo Baiyin Nonferrous (veja lista abaixo).
Os R$ 27 bilhões foram citados pelo presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações (ApexBrasil), Jorge Viana, após um fórum entre empresários brasileiros e chineses em Pequim.
Segundo a Apex, os investimentos da China incluem:
R$ 6 bilhões da GAC, uma das maiores montadoras chinesas, para "expansão de suas operações" no Brasil;
R$ 5 bilhões da Meituan, plataforma chinesa de delivery que quer atuar no Brasil com o app "Keeta" e prevê gerar até 4 mil empregos diretos e 100 mil indiretos;
R$ 3 bilhões da estatal chinesa de energia nuclear CGN para construir um "hub" de energia renovável (eólica e solar) no Piauí;
até R$ 5 bilhões da Envision para construir um parque industrial "net-zero" (neutro em emissões de carbono), com foco em SAF (Combustível Sustentável de Aviação), hidrogênio verde e amônia verde;
R$ 3,2 bilhões da rede de bebidas e sorvetes Mixue, que deve começar a operar no Brasil e espera gerar 25 mil empregos até 2030;
R$ 2,4 bilhões do grupo minerador Baiyin Nonferrous, que anunciou a compra da mina de cobre Serrote, em Alagoas;
a empresa DiDi, que opera no Brasil por meio da empresa de transporte 99, pretende expandir a operação no setor de delivery e pretende construir 10 mil pontos públicos de recarga para veículos elétricos;
a Longsys deve aportar R$ 650 milhões para ampliar a capacidade produtiva de fábricas de semicondutores em São Paulo e Amazonas;
a brasileira Nortec Química anunciou parceria com a Acebright, Aurisco e Goto Biopharm para construção de plataforma industrial de Insumos Farmacêuticos Ativos (IFAs) no Brasil, no valor de R$ 350 milhões;
a Apex também fechou parcerias para a promoção do café brasileiro com a Lickin Coffe, do cinema do Brasil com a Huaxia Film e de produtos nacionais no varejo chinês com a Hotmaxx.
Lula viajou ao país acompanhado de 11 ministros e do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), além de parlamentares, outras autoridades e cerca de 200 empresários.
Ampliação do comércio
A viagem de Lula à China foi pensada para fortalecer a negociação comercial entre os países. A China é o principal parceiro comercial do Brasil, e o governo brasileiro avalia que há espaço para ampliar as exportações para o país asiático.
A avaliação tem relação direta com a guerra comercial entre os Estados Unidos e os chineses. Ministros e empresários acreditam que o Brasil pode surgir como "alternativa" para parte dos produtos americanos importados pela China.
COMENTÁRIOS